painting by Jean-Léon Gérôme (1824-1904), Diogenes. Öl auf Leinwand

Friday, January 6, 2012

APRESENTAÇÃO DO MESTRE DOS MENDIGOS


Rei é como costumo ser chamado,

embora de um rei não trago

nem o estilo nem o hábito.

Poderiam igualmente chamar-me

de chafariz ou mendigo

sem que nada no mundo se alterasse.


Palavras não imitam nem se colam

às coisas que só por acaso nominam.

Mas, se coubesse a mim a escolha

de decidir da relação entre os nomes e as coisas,

eu mandava, por exemplo, que a chuva

fosse chamada de felicidade.


Aposto que vestida de tão bela alcunha

pareceria escorrer menos carrancuda.

Ou então, se para tristeza disséssemos riso,

quem sabe com um sorriso

sorrido de face a face

toda a tristeza dela se apagasse?


Mas se rei fosse de fato o meu chamado,

ser o rei mesmo dos tolos ou dos afonsos,

tampouco é mister para um qualquer.

No entanto, para ser franco, a honraria não me agrada,

porque no fundo não cuido

se entre tantos desfilo como príncipe ou o vagabundo.


Mas se me chamassem de repuxo,

não estariam de todo enganados,

pois metido no meio da praça, jorrando os meus discursos,

sou mesmo um repuxo, mas de um tipo que joga,

em lugar das águas,

sabe deus que palavras...


E se mendigo não é tudo,

é ao menos parte do que sou,

já que teto não tenho que me aproveite,

e a soma dos muros que me cercam

é exata igual à beira

de todos caminhos.


Mendigo ou rei são nomes comuns.

Designam classes de indivíduos, não indivíduos.

Talvez prefira me imaginar assim:

inespecífico, plural.

Num mundo tão cheio de coisas

nomes próprios e proles extensas não são praticáveis.


Somos como um bonde apinhado,

nestas cidades de cimento e vidro

somos de fato tão areia,

que maré baixa maré cheia

ninguém mais põe reparo no canto dos naufragados

em meio ao grito das sereias.


Um mendigo é, pois, alguém como toda a gente,

mas que somente não se deixou

virar coisa num mundo de coisas,

coisas que eram antigamente

entes suficientes como a gente,

mas das quais nos tornamos instrumentos.


E o caminho por que vou

é meu viajante camarada.

Tenho o seu gosto de lodo fresco

e o mesmo cheiro de terra molhada.

E como o dele o meu destino

também é todo encruzilhadas.


Este que segue, a meu lado, farejando a manhã,

como se procurasse motivo para coçar-se,

é Diógenes, o cão. Assim o batizei, não só por irrisão,

mas por ser ele mais que todos um cão, e não somente por injúria

ou força de expressão, de modo que o apodo lhe cabe

pelo direito inato dos que vão pela vida passeando.


Além dele me assistem uma mochila e uma soleira,

e essa é toda a parte que tenho neste mundo.

Mas o galho que do chão apanho

e que às vezes trago

à guisa de cajado,

me acrescenta de todos os pássaros.